Mochilão de Férias - Pessoas, casos e histórias

Em Julho tirei férias - meu primeiro mês inteiro desde 2013, quando voltei do intercâmbio na França. Quem me acompanha pelo Facebook sabe que fiz um roteiro de mochilão bem bacana pelo interior do Brasil: 23 dias na estrada, começando em Brasília, passando por Belo Horizonte e pelas cidades históricas mineiras, até o Rio de Janeiro e Paraty. 

Percorri praticamente toda a Estrada Real, caminho que começava em Diamantina (MG) e ia até o litoral carioca, levando as riquezas extraídas pela Coroa no período colonial. 

Fim de tarde em São João Del-Rei (vista do terraço do hostel)

Também acabei traçando uma rota, meio sem querer, pelo caminho de vida do presidente Juscelino Kubitschek - diamantinense que foi prefeito em BH, governador mineiro e depois presidente responsável pela construção de Brasília - onde repousa no pomposo Memorial JK.

Em meio a tantas idas e vindas - que serão relatadas no Diário, retomando o esquema de roteiro de viagens que fazia no intercâmbio - cruzei com muita gente bacana pelo caminho. Alguns se tornaram amigos, com outros só troquei um dedo de prosa.

Os textos a seguir narram os momentos mais curiosos, os "casos e causos" dessa viagem incrível, que recomendo demais!

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Brasília, segunda a tarde. Paro para pedir informações e descansar no centro de recepção ao turista da Praça dos Três Poderes. Uma família paulista (pai, mãe, dois filhos e uma filha) conversam com o atendente, pedem algumas dicas e comentam: "Já viemos várias vezes para Brasília. Agora, foi para comer no Dunkin' Donuts. Sabia que é a única do Brasil?". Se você queria um motivo para conhecer a capital, já achou haha

Rodoviária de Três Corações (MG)

Carmo da Cachoeira (MG), a caminho de Lavras. Numa das paradas de ônibus do trajeto Caxambu-São João Del-Rei, entra um menino de 13 anos que senta ao meu lado. Magrelo, curioso, cara de criança e ímpeto de adolescente. No trajeto de cerca de uma hora até a rodoviária de Lavras, onde ele pegaria conexão para Bom Sucesso (MG), o garoto me conta sua (breve) vida. Estava saindo da casa da mãe. Ia morar com a avó e os primos. Queria estudar e ter o próprio negócio. Um verdadeiro self-made man de calças curtas. Ah, e tudo tinha acontecido "na noite anterior", numa espécie de saideira da cidade natal: pediu em namoro uma colega da turma e bebeu sua primeira cerveja - mesmo sabendo que o pastor de sua igreja não aprovaria. Acabei não perguntando seu nome. Na correria para pegar o próximo ônibus para São João, não vi que rumo tomou o menino, mas torço para encontrar novamente com o pequeno sonhador de Carmo da Cachoeira...

São João Del-Rei, tarde de terça. Encontro um Hare Krishna peruano vendendo livros na avenida principal. Compro um para ajudar. Ele diz que a doação é espontânea, mas logo muda o semblante e estipula um valor mínimo. Zen, pero no mucho...

São João Del-Rei, quarta a noite. Me preparava para o check out na manhã seguinte quando finalmente encontro o casal dono do hostel - como passava os dias passeando, ainda não os tinha visto. Ela, brasileira, trabalha na Casa de Cultura de Tiradentes. Ele, italiano, veio de Milão para o Brasil há 20 anos. Pintor, é um dos responsáveis pelo roteiro de agroturismo da Colônia Viva, recém criado na região de São João.

Congonhas, tarde de quinta-feira. Na visita ao Santuário de Bom Jesus de Matosinhos (famoso pelos 12 profetas de Aleijadinho), dou de cara com o senador Aloysio Nunes de chapéu e óculos escuro, visitando anônimo a igreja. Dada a reputação de Aécio Neves na região, é sintomático o fato de o vice de sua chapa à presidência em 2014 querer passar despercebido. Quem não se lembra do hino mineiro adaptado na campanha? "Oh Minas Gerais, quem conhece Aécio não vota jamais"...

Ouro Branco, a caminho de Ouro Preto. Na baldeação mais estapafúrdia da viagem - cidades a uma hora de distância sem ônibus direto - conheci um neto viajando com a avó que, pasme, é minha vizinha de bairro em Curitiba. Ele, professor de história e militante do PC do B. Ela, 80 anos, encarando com empenho as ladeiras inclementes das cidades históricas. A parada foi demorada, mas valeu a pena por rever curitibanos longe de casa e matar a "saudaDE do sotaQUE" haha

PS: Tiradentes. O curitibano contou uma história curiosa que presenciou em Tiradentes, que havíamos visitado no dia anterior, ainda sem nos conhecer. Num boteco típico, tomando cachaça, eis que entra o candidato a prefeito da oposição e começa a trocar figurinha com o vereador da situação. O motivo era o enterro de uma jovem da cidade, e se a ocasião seria apropriada para pedirem votos. Rivais políticos tomando cachaça juntos e confabulando sobre um enterro: nada supera a política interiorana!

Rodoviária de Ouro Branco (MG)

Ouro Preto, noite de quinta. Quarto coletivo misto do hostel, duas beliches. Na primeira noite, divido o quarto com um jovem engenheiro acompanhado da "mãe" francesa que o recebeu durante o intercâmbio. É a primeira vez dela no Brasil, estavam conhecendo Minas antes de ir para o sul, onde mora a família do rapaz. Pude praticar um pouco do francês com eles - bom para tirar a ferrugem do idioma de Molière hehe

Ouro Preto, hostel. Precisando de um computador para esvaziar a memória da câmera e passar as fotos para um pendrive, puxo assunto com um pesquisador de Artes que está passando a semana em Ouro Preto com sua turma da USP. É o grupo que cozinha no hostel e fica acordado até tarde, que pensávamos serem "nativos", dado o entrosamento. Durante o backup, copio as fotos para que eles possam usá-las na pesquisa - se precisarem. Igrejas, ruelas e arquitetura barroca em quase mil imagens...

Belo Horizonte, corridas de Uber. Ainda não havia usado Uber em Curitiba, comecei em Brasília e não parei mais. Serviço excelente tanto na capital federal, quanto em BH e no Rio - onde usei e aprovei o Uber Pool, que permite dividir a carona e pagar ainda mais barato. Da variedade de perfis de motoristas, destaco o universitário que estava rodando nas férias para pagar o intercâmbio, alguns ex-taxistas e desempregados, e uma mulher com seus 40 anos (a única motorista com quem andei), que só pega corridas durante o dia na região que mora/conhece, nunca teve problemas e recomenda o app para motoristas mulheres.

PS: Rio de Janeiro. A última corrida de Uber da viagem foi com um cearense que vive há 30 anos no Rio, trabalhou esse tempo todo como entregador, mas não aguentava mais pelo cansaço (está com 50) e resolveu dirigir Uber. Está "vivendo melhor, pagando as prestações do carro e conhecendo gente interessante", comemorou animado...

Argumento: a "livraria do Maneco" no Leblon

Rio de Janeiro, manhã de segunda no Leblon. Batendo perna no famoso bairro da zona sul carioca, cenário de tantas novelas do Manoel Carlos. Descubro qual é a livraria que ele frequenta e dou uma passada. Linda, enorme, com acervo bem variado e um charmoso café/restaurante - do qual Maneco é habitué. O ambiente transpira "intelectualidade", contanto naquele momento com a presença do escritor e jornalista Eduardo Bueno. Eis que passa por mim uma senhora loira, procurando apressada com uma das funcionárias da livraria um exemplar de um livro de Bueno (qualquer um), para que ele autografasse. Ah, a zona sul... 

Rio de Janeiro, noite de segunda na Pedra do Sal. Região da Saúde, próximo ao Centro, local de forte presença afrobrasileira, cujas raízes estão sendo resgatadas numa iniciativa pública que recuperou as ruínas do antigo Cais do Valongo, onde aportavam os navios negreiros no Rio. Samba toda segunda, lotado de cariocas e turistas. Numa barraca de macarrão italiano a 10 reais, acabo conhecendo um italiano de Roma que está vindo morar no Brasil. Já veio quatro vezes ao Rio, adora nossa cultura, entende bem o português e se esforça para falar. Conheci também um carioca gente boa que ia ser voluntário nas Olimpíadas, num guichê de venda de ingressos. Depois falamos com três Flávias - mãe, filha e sobrinha - cariocas da gema, e um grupo de rapazes de BH que estavam no mesmo hostel do italiano. Adoro ambientes assim!

PS: O italiano tinha sobrenome Coppola, me contou histórias incríveis sobre a máfia e sua influência em todos os aspectos da vida pública, privada e religiosa italianas. Destaco uma frase: "geralmente, a pessoa que aparenta ser mais íntegra e de reputação ilibada é mafiosa". Capisce?

Rio de Janeiro, quarta de manhã. Na fila de entrada do Museu do Amanhã (super moderno, o mais novo cartão postal carioca), puxo assunto com uma família gaúcha de Viamão (casal e duas filhas) e logo um casal de Botafogo se junta a nós. Falamos sobre a segurança na cidade, extremamente reforçada com a presença das Forças Armadas. O casal então recorda o último período de calmaria similar no Rio: logo depois da ocupação das favelas do Alemão, em 2010, quando morreu muito mais gente do que se imagina. "As TVs só filmaram um ângulo, do outro lado do morro o BOPE estava esperando os traficantes saírem. Mas isso não pode ser mostrado, claro, a gente que é morador que sabe".

Rio de Janeiro, corrida do Uber Pool. Dividi a carona com uma carioca simpática que viveu 10 anos em Curitiba, estudou no Colégio Opet e morava no Bom Retiro. Pretende voltar à capital paranaense quando puder. O motorista entrou na conversa depois, sobre as Olimpíadas, dizendo que a hora das reclamações já passou. O negócio agora é torcer, curtir os jogos e receber o melhor possível os estrangeiros. E fez uma metáfora ótima: 

Sabe aquela festa que você faz em casa e as visitas começam a chegar quando você ainda não tomou banho, está com a comida no forno e etc? Sai tudo em cima da hora, mas no fim todos se divertem e a festa fica marcada. Isso são as Olimpíadas no Rio 2016...