E chega ao fim mais um Festival de Curitiba. Arrisco dizer que, dado o contexto atual, foi a melhor edição que se poderia ter - o que não é pouco, pelo contrário. O público de 180 mil pessoas se envolveu com o teatro de forma mais intensa, e até íntima.
Começando com um recital de abertura impecável, com a diva Maria Bethania, passando pelo experimentalismo performático de Batucada, e pelas montagens de Shakespeare (uma cômica, outra trágica) que nunca perdem a contemporaneidade. Confira aqui as resenhas postadas semana passada.
A segunda semana começou na Ópera de Arame, com um clássico de Nelson Rodrigues adaptado brilhantemente em musical: O Beijo no Asfalto. Quem diria que o universo rodriguiano, com todas suas taras, críticas e realismos cairia tão bem num musical à la Broadway? Destaques para as atuações de Claudio Lins, como o protagonista Arandir, Gracindo Júnior, o sogro dúbio Aprígio, a estreante no papel Izabella Bicalho, como a esposa Selminha, e o curitibano Gabriel Stauffer, estreando no Festival na pele de Werneck.
A mesma Ópera recebeu depois um talentoso grupo que conquistou a internet e levou o improviso para o palco em Portátil: a galera do Porta dos Fundos. Gregorio Duvivier, Luis Loubianco, João Vicente de Castro e o colombiano Andres Giraldo usam e abusam da criatividade para recriar a vida de uma pessoa da plateia em pouco mais de uma hora de espetáculo. Na apresentação de quinta-feira, a escolhida foi uma arquiteta que sonhava casar e ter 5 filhos, cuja mãe era dona de uma peixaria e o pai, de um bar e loja de papeis. Quando criança, ela sentou no braço da avó enferma e quase o quebrou, sem entender uma piada feita pela mãe. E por ai vai... Boas risadas numa opção da Mostra que não deixa nada a desejar para o Risorama.
No Fringe, podemos conferir no Solar do Barão a mistura entre Brasil e Argentina com toques de Almodóvar em Hermanas son las tetas. Dirigida pelo argentino Juan Manuel Tellategui, o espetáculo conta a história de duas irmãs (Lauanda Varone e Liza Caetano) que foram famosas na infância, mas não souberam lidar com suas carreiras na vida adulta e agora são obrigadas a conviver. Uma se acha diva, a outra prefere a criação intelectual. A cereja do bolo são as performances no final de casa sessão, com espaço para artistas locais. Na sexta-feira, o convidado foi Stéfano Bello, intenso em um número musical que arrancou palmas e elogios da plateia.
No último fim de semana, tivemos Morte Acidental de um Anarquista, um espetáculo crítico italiano magistralmente adaptado para o contexto brasileiro - o melhor da Mostra este ano, na minha humilde opinião. Tudo por que soube dialogar como poucos com o clima polarizado em que vivemos, de "Viva Sérgio Moro" de um lado e "Não Vai Ter Golpe" do outro. De juízes acima do bem e do mal, uma corrupção desenfreada por toda parte, inocentes servindo de bode expiatório de toda sorte de interesses escusos, e por ai vai. Dan Stulbach interpreta o louco protagonista e usa sua experiência de apresentador do CQC para lidar com as sugestões de temas pedidas para a plateia, saindo-se muito bem na tarefa de mediar o Fla-Flu político em plena "república de Curitiba". Palmas ainda para o ator e produtor Henrique Stroeter, responsável pela adaptação ao lado de Dan.
Por fim, Processo de Conserto do Desejo, com Matheus Nachtergaele, um artista sem igual declamando poesias de sua mãe, que suicidou-se quando ele era bebê. A forma encontrada pelo ator de expurgar sua relação com a genitora, compartilhando seus escritos e canções favoritas com o público, acompanhado de violão e violino tocados ao vivo, é tocante e bela. Para fechar com chave de ouro a Mostra e a 25ª edição do Festival.
Festival de Curitiba é tudo isso e muito mais. Viva o teatro, e que venha a 26ª edição!
Portátil - Crédito: Jorge Mariano |
O Beijo no Asfalto - Crédito: Humberto Araujo |
Créditos: Humberto Araujo |
Créditos: Jorge Mariano |
Créditos: Annelize Tozetto |
Créditos: Lina Sumizono |
Créditos: Annelize Tozetto |
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