Não é de hoje que jornalistas se aventuram na literatura histórica e fazem sucesso. Entre os maiores trunfos da profissão, acredito que a objetividade e a forma palatável de se apresentar os fatos ao leitor (mesmo que decorrido muito tempo de seu acontecimento) fazem das obras de jornalismo histórico best-sellers no Brasil. Depois de Laurentino Gomes e Leandro Narloch, quem vem se sucedendo muito bem é Rodrigo Alvarez, correspondente da Globo em Jerusalém e Oriente Médio.
Depois de Aparecida, que conta a história da imagem da santa padroeira do Brasil, Alvarez escreveu Maria - A biografia da mulher que gerou o homem mais importante da história, viveu um inferno, dividiu os cristãos, conquistou meio mundo e é chamada de Mãe de Deus (Globo Livros, 255 páginas).
Com leitura leve e interessante não só para os cristãos, mas todos que têm curiosidade em saber mais sobre a vida de Maria e, principalmente, como ela alcançou a devoção atual pelo mundo, o livro traz ainda curiosidades sobre períodos históricos que vão da antiguidade ao século 20, passando pela Idade Média, Reforma Protestante e pelas aparições da Virgem em Lourdes e Fátima.
A vida de Maria, em si, ocupa uma enxuta primeira parte do livro. Poderia ser maior, mas a falta de evidências históricas, ou mesmo registros dos evangelistas sobre a mãe de Jesus impede esse detalhamento. É no chamado Evangelho de Pseudo-Mateus que encontramos menções à Joaquim e Ana, os idosos pais de Maria que a conceberam na velhice, quando já não tinham mais esperanças de serem abençoados com um filho. A infância e adolescência da virgem, no templo, até ser prometida a José também são rapidamente abordadas, assim como a Anunciação, gravidez e nascimento de Jesus.
As Bodas de Caná, de Paolo Veronese, em exposição no Museu do Louvre |
Na vida adulta do Mestre, a participação de sua mãe é pouco abordada nos evangelhos, ganhando destaque a famosa Boda de Caná, onde Maria intercede pelos noivos, que estavam sem vinho, e Jesus realiza o milagre da transformação da água. É a passagem, segundo o dogma católico, que simboliza o papel de Nossa Senhora como intercessora da humanidade.
A morte e ascensão de Maria aos céus também é tema de discussão na obra de Alvarez, já que por muito tempo não se chegou a um consenso entre os cristãos sobre como de fato se deu o falecimento da Mãe de Deus. Se seu filho passara pela morte física, martirizado, por que Maria não passaria? Mas se o corpo de Jesus sumira do túmulo, o de sua mãe também haveria sumido, como evidência de sua Assunção como Virgem Imaculada?
Pulquéria, a imperatriz (depois santa) que influenciou fortemente o culto à Maria na antiguidade |
Polêmicas e discussões dogmáticas à parte, a segunda parte de Maria inicia com o desenrolar da história dos cristão e da Igreja Católica na antiguidade, quando Constantino tornou a religião oficial de Roma, e a imperatriz Pulquéria (depois santa) foi de fundamental importância no culto à mãe de Jesus - por vezes se confundindo com o culto que ela desejava para si. Os embates entre os patriarcas de Constantinopla e Alexandria, neste contexto, são um capítulo a parte que desconhecia, e achei bastante interessante.
A parte final passa rapidamente pelas querelas da Reforma Protestante, em que a devoção à Maria foi um dos dogmas questionados pelos reformistas, e pelas conhecidas aparições da Mãe de Deus em Lourdes, França, no século 19, e em Fátima, Portugal, no início do século 20. Os Segredos de Fátima também são abordados, logicamente...
A parte final passa rapidamente pelas querelas da Reforma Protestante, em que a devoção à Maria foi um dos dogmas questionados pelos reformistas, e pelas conhecidas aparições da Mãe de Deus em Lourdes, França, no século 19, e em Fátima, Portugal, no início do século 20. Os Segredos de Fátima também são abordados, logicamente...
Maria é uma obra instrutiva e bem escrita, com tudo aquilo de bom que une jornalismo, pesquisa histórica e reportagem literária. Apesar de não explicitar sua fé, Rodrigo Alvarez deixa nas entrelinhas se acredita ou não no que relata.
Como bem define o jornalista e professor Aroldo Murá, em seu texto sobre a obra de Alvarez, "o jornalista, afinal, não é um ser insensível, 'neutro'. Sua obrigação maior é a de reportar com absoluta – total, de fato – veracidade todos os ângulos e desdobramentos de uma história. Mas ele sempre terá – por ser inteligente, sensível e com capacidade de computar informações – opinião sobre o universo de realidades que desvenda para o leitor. E com isso estará posicionando-se, de alguma maneira, sobre temas que aborda".
Como bem define o jornalista e professor Aroldo Murá, em seu texto sobre a obra de Alvarez, "o jornalista, afinal, não é um ser insensível, 'neutro'. Sua obrigação maior é a de reportar com absoluta – total, de fato – veracidade todos os ângulos e desdobramentos de uma história. Mas ele sempre terá – por ser inteligente, sensível e com capacidade de computar informações – opinião sobre o universo de realidades que desvenda para o leitor. E com isso estará posicionando-se, de alguma maneira, sobre temas que aborda".
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