Esta semana começou a 25ª edição do Festival de Teatro de Curitiba, o maior do gênero no país. Minha história com o Festival começou em 2011, quando cobri pela primeira vez algumas peças da Mostra e do Fringe para o Jornal Comunicação da UFPR - estava no segundo ano da faculdade. Nos três anos seguintes, acompanhei o Festival como repórter de Cultura do Metro Curitiba - com direito a entrevistas com a organização, coletivas e festas de abertura.
Em 2015, minha (humilde) contribuição ficou ainda maior: tive o prazer de fazer parte da equipe de assessoria de imprensa da 24ª edição, como freelancer. Depois de cobrir "do lado de fora" por quatro anos, tive a oportunidade de conhecer "por dentro" como tudo acontece. E a admiração pelo Festival, sua equipe e colaboradores só aumentou. Liderados pelo diretor, Leandro Knopfholz, todos se desdobram para fazer acontecer o melhor festival possível para o público. Todo ano tem uma inovação, uma mudança para a melhor, e o desejo de vida longa a este patrimônio cultural curitibano.
Cerimônia de abertura, conduzida pelo ator e diretor teatral Edson Bueno |
Este ano, para não "passar batido", resolvi cobrir o Festival de outra forma, mais descompromissada, mas não menos participativa. Seguindo a proposta do Diário, vou fazer uma postagem para cada semana, com uma resenha dos espetáculos que vou assistir.
22 de março: Abertura - "Bethania e as Palavras"
Desde 2011, quando assisti "Sua Incelença Ricardo II", do grupo Clowns de Shakespeare, a peça de abertura que mais havia me marcado era a incrível adaptação dirigida por Gabriel Villela e apresentada em pleno Largo da Ordem. Até agora. "Bethania e as Palavras", recital da cantora Maria Bethania, deixou o público emocionado e sem palavras. Não teve quem saiu da mesma forma do Teatro Guaíra na noite de terça-feira, 22 de março.
Poemas de mestres - Pessoa, Drummond, Rosa, Caetano - interpretados pela diva da MPB, que intercalava com trechos de canções mais do que especiais. O cancioneiro popular foi contemplado com "Trenzinho Caipira", "Calix Bento", "Meu Primeiro Amor", entre outras. E para concluir, o hino "Reconvexo", em homenagem à matriarca dos Veloso, Dona Canô. Inesquecível!
24 de março: Mostra - "Batucada"
Talvez a peça mais polêmica da Mostra este ano, "Batucada" se propõe a ser um acontecimento cênico que não deixa o público incólume. Dirigida por Marcelo Evelin, a performance começou a chamar atenção há algumas semanas, quando abriu uma convocatória para o elenco. A proposta é que em cada cidade, pessoas locais - atores ou não - deem vida à peça. Anônimas, debaixo de máscaras pretas com uma espécie de nariz de palhaço adaptado. Além de ser inquietante, é uma forma de preservar a identidade de quem está em cena, já que em determinado momento, a única peça que resta são as máscaras.
Nus, os atores seguem batucando paus em panelas e peças de metal, em sons que lembram protestos, ritmos tribais, e permitem múltiplas interpretações. Panelaço? Opressão da sociedade? Expressão artística? É tudo válido.O fato de andarem entre o público e se misturarem torna "Batucada" ainda mais inquietante e envolvente. Em certo momento, ao fazerem silêncio, parte do público segue no ritmo, batendo palpas e assoviando. Extremamente participativo.
E como se não bastasse tamanha interação com o público, "Batucada" termina de forma catártica com o elenco se atirando - ainda nus - no chão de pedra do Largo da Ordem, em frente ao Espaço Cult (uma balada) que sediou a peça. Para delírio dos transeuntes que, alheios à proposta, sacam os celulares e registram um bando de pessoas deitadas nuas no meio da rua.
26 de março: Mostra - Repertório Shakespeare "Medida por Medida"
A proposta do diretor Ron Daniels é bastante interessante: adaptar duas obras de Shakespeare - nos 400 anos do bardo - com o mesmo elenco de 14 atores, e cenário composto por uma adaptação em tela da famosa "Operários", de Tarsila do Amaral, e por divisórias de plástico que se alteram conforme a competente iluminação e direção cênica.
No sábado 26 de março, ambas foram apresentadas praticamente em sequência, "Medida por Medida", às 16h, e "Macbeth", às 20h, no Teatro Positivo. O intervalo de menos de duas horas é o suficiente para dar uma escapada do Grande Auditório, comer algo e retornar.
Alarmado com a imoralidade e a corrupção que tomaram conta de sua cidade, o Duque (Marco Antônio Pâmio) resolve reintroduzir uma antiga lei que pune com a morte todo e qualquer abuso sexual. Contudo, ele deixa que a lei seja implementada por seu vice, Ângelo (Thiago Lacerda), a quem transfere o poder por um período, enquanto ele se disfarça de frei para observar tudo à distância. Quando o jovem Cláudio (Rafael Losso) é condenado após engravidar uma moça, sua irmã Isabela (Luisa Thiré), uma noviça, apela a Ângelo - sem imaginar as intenções ocultas do magistrado moralista.
Comédia repleta de críticas, "Medida por Medida" deixa uma mensagem para os tempos atuais no país: cuidado com juízes que levam a lei às últimas consequências. Suas intenções podem não ser o que parecem...
26 de março: Mostra - Repertório Shakespeare "Macbeth"
A tragédia "Macbeth" dispensa introduções, mas vamos lá: ao voltar triunfante da guerra, Macbeth (Thiago Lacerda), um general corajoso, encontra três criaturas misteriosas, videntes que lhe fazem a seguinte profecia: que ele será rei, em um futuro próximo. Ao saber da profecia, a ambiciosa Lady Macbeth (Giulia Gam), esposa do general, instiga seu marido a matar Duncan, o atual rei. Quando o crime é descoberto, os filhos de Duncan, sentindo-se ameaçados, resolvem fugir, e Macbeth é coroado.
Em sua loucura pelo poder, o casal Macbeth é consumido pela culpa e pelos fantasmas de todos aqueles que mataram para chegar e se manter no trono. As atuações estão todas na medida, com destaque ainda para Marco Antônio Pâmio, que dá vida ao decisivo Lord MacDuff.
Além do cenário e plano de fundo, os figurinos são um atrativo importante de ambas as peças: mesmo mantendo as funções de cada personagem - principalmente das mulheres - as roupas foram habilmente modernizadas. Ao invés de roupas de lordes medievais, os homens de Macbeth vestem uniformes que fazem referência a batalhões como o BOPE. Bem apropriado.
"Macbeth" foi adaptada recentemente ao cinema (mais uma vez), com Michael Fassbender e Marion Cotillard nos papeis principais. Um belo filme, com ótima fotografia e ambientada na Escócia medieval. O que cansou foram os diálogos em inglês arcaico, o que não ocorre na peça de Daniels. Não só a adaptação é em português, como usa os pronomes e expressões atuais. Nada de "tu e vós" hehe
Em tempos de figuras abjetas da política mundial, como Donald Trump tentando chegar à Casa Branca, Shakespeare e suas obras políticas continuam atuais. A alma humana, com todas suas fraquezas e ambições, precisa de mais de 400 anos para evoluir como deveria...
Créditos das fotos: Annelize Tozetto, Humberto Araujo, Daniel Sorrentino e Marcio Pimenta
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