domingo, 29 de novembro de 2015

Cinema: Chatô, O Rei do Brasil

Anárquico. Polêmico. Satírico. Exagerado. Chatô, O Rei do Brasil pode ser descrito de muitas formas. É inegável que, apesar dos 20 anos de imbróglio judicial para sua conclusão e lançamento, o longa seja uma competente forma de se contar a história de um dos ícones da imprensa latino-americana, não por acaso tido como o "Cidadão Kane brasileiro". 

Não fosse a polêmica que envolveu a produção de Chatô, o então estreante Guilherme Fontes poderia ter alavancado sua carreira como diretor, além dos trabalhos que já o haviam consagrado como ator (Mulheres de Areia, A Viagem) e produtor (Desejo, para o teatro). O cara manda bem! Não só as transições de cenas são feitas de forma elegante, difusas, aparentemente desconexas (próprias do universo onírico retratado), como o elenco está afinado.


Marco Ricca dá vida a Assis Chateaubriand da juventude à velhice, da inexperiência à fanfarronice que se tornou marca da personalidade do magnata e mecenas que viria a se tornar. Andréa Beltrão, ótima como de costume, encarna a socialite Vivi Sampaio, síntese das amantes e parceiras da intensa vida de Chatô, tendo como função dois papeis de importância fundamental na trama: a influência da mulher nos bastidores da política e o sexo como impulso de muitas das decisões tomadas pelos poderosos.

Paulo Betti, por sua vez, nos apresenta um caricato Getúlio Vargas que, apesar de empalidecer perto de atuações como a de Tony Ramos em Getúlio, não deixa de ser eficiente em sua função como antagonista e ao mesmo tempo cúmplice de Chatô. 


O restante do elenco, em participações pontuais, também mostra a que veio em personagens-tipo ou sínteses de figuras marcantes na vida do retratado, como suas esposas (Letícia Sabatella e Leandra Leal), sogra (Eliane Giardini), primeira sócia (Zezé Polessa) e o jornalista Rosemberg (Gabriel Braga Nunes), numa licença poética que mescla aspectos tanto de Samuel Wainer, quanto de Carlos Lacerda. Menção honrosa ao "político" e ao "militar" genéricos vividos pelos monstros José Lewgoy e Walmor Chagas, ambos in memoriam.

Apesar da opção meio batida de um delírio à beira da morte como motivador da trama - Chatô, após um AVC, relembra sua vida como se estivesse num programa de auditório da TV Tupi - o longa é feliz na analogia apresentada. Fontes, por sua vez, surge como o apresentador do julgamento-show numa clara referência a Chacrinha.


Em tempos de cinebiografias marcadas pelo "bom-mocismo" e pelos aspectos "chapa branca" - que o diga o Roberto Carlos pasteurizado apresentado no filme Tim Maia - é admirável vermos uma obra como Chatô que, tanto no contexto do fim dos anos 90 quanto agora, funciona como uma história bem acabada, crítica e intensa.

E sem deixar de lado a acidez do velho Assis Chateaubriand: paraibano arretado que ameaçava resolver tudo com sua peixeira, descendente de índios antropófagos que foi embaixador na corte britânica, "jagunço" que foi senador e imortal da Academia Brasileira de Letras. Visionário picareta que trouxe a TV para o Brasil, mecenas canalha responsável pela criação do MASP, e uma dezena de outras características de uma figura ímpar não só da imprensa brasileira, como da história política e econômica do país entre as décadas de 1940 e 60. "Quer ter opinião? Compre um jornal!".

Chatô, O Rei do Brasil (2015)
Direção: Guilherme Fontes
Elenco: Marco Ricca, Andréa Beltrão, Paulo Betti, Leandra Leal, Gabriel Braga Nunes e grande elenco
Nota: 4/5

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