quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Do fundo da gaveta: Iniciação e imersão religiosa

Dessa vez, Do fundo da gaveta traz dois textos em um post, com temáticas parecidas e complementares, ambas escritas em 2011. A primeira é sobre uma experiência religiosa pessoal. A segunda, sobre uma imersão religiosa em um templo, igreja ou local de culto que não o seu, ou da sua família.
Entre Subramanya e Hanuman (Prof. Paris), após minha iniciação ao mantra em 2010
Nos dois casos, o "universo" conhecido e vivenciado foi o do Hinduísmo, suas derivações e manifestações organizadas no Ocidente, tanto na Yoga quanto no movimento Hare Krishna. A seguir, os textos na íntegra...

Experiência religiosa pessoal: Iniciação no Yoga

Fazia apenas dois meses que eu havia começado as práticas de Yoga, no Espaço Hanuman. O Hanuman, em questão, tinha sido meu professor em duas ocasiões distintas. Agora, de certa forma, voltava a sê-lo. Mas não mais lecionando gramática nem redação para vestibular.

Depois de toda prática da chamada Hatha Yoga, a Yoga do corpo físico – deturpada no Ocidente, onde é praticada superficialmente até em academias de ginástica – Hanuman nos passava algumas informações sobre o Hinduísmo, e sobre a linha filosófica adotada por seus gurus. 
Swami Sivananda (1887-1963) e Swami Vishnu Devandanda (1927-1993)
Ambos já mortos, os gurus Swami Sivananda e Swami Vishnu Devananda foram alguns dos responsáveis por difundir o conhecimento yógui oriental no lado de cá do Meridiano de Greenwich. Uma frase de Swami Vishnu consegue resumir bem seu intento: “Saúde é bem estar. Paz mental é felicidade. O Yoga mostra o caminho”.

Pois bem, dois meses se passaram desde que começara a descobrir esse universo novo, por detrás das sendas do Yoga. Eis que uma oportunidade única surgiu para todo nosso grupo do Espaço Hanuman: Kanti Devi, uma das poucas discípulas diretas dos gurus, viria à Curitiba.

Hanuman, então, fez o convite para quem quisesse fazer sua iniciação ao mantra com a uruguaia Kanti Devi. Mas o que seria isso? Simplesmente a pessoa faria alguns votos, escolheria uma deidade (um dos vários aspectos de Deus) hindu que representasse sua devoção, e pronto. Kanti Devi também nos daria um novo nome, digamos, iniciático.
Kanti Devi
De minha parte, julguei que seria ótimo: quanto mais conhecia sobre a filosofia yógui, mais desejava saber. Tornar-me um gurubhai (iniciado), então, seria apenas uma consequência deste processo...

Antes de contar minha iniciação, porém, é melhor esclarecer alguns pontos. De criação cristã e católica, como a maioria dos brasileiros, sempre acreditei em Deus e em Jesus Cristo. Também sou devoto de Nossa Senhora Aparecida e de alguns santos. A instituição Igreja Católica, no entanto, deixa a desejar em alguns aspectos, tanto em sua história, quanto em seus dogmas e preceitos. Creio eu, esse é o maior motivo da sua perda de fiéis...

Assim, muitas brechas se abriram para que outras filosofias religiosas as completassem. Foi o caso, a princípio, do espiritismo de Allan Kardec. A ideia de reencarnação sempre me pareceu muito mais natural, e aceitável, do que a crença numa só vida. Por sua vez, o Hinduísmo, a filosofia da não-violência e a prática do Yoga foram consequências dessa minha busca por “preencher as brechas”.
A turma de iniciados (gurubhais) do Espaço Hanuman, hoje desativado
Pois bem, decidi ser iniciado ao mantra com Kanti Devi. Após uma explicação feita por Hanuman de como são e o que representam as deidades hindus, me identifiquei mais com Lorde Rama, uma das encarnações do deus Vishnu. Muitos relacionam a Santíssima Trindade católica com os deuses Brahma, Vishnu e Shiva. Diferenças teológicas à parte, a comparação é válida.

"Saúde é bem estar. Paz mental é felicidade. O Yoga mostra o caminho", Swami Vishnu Devananda

Dentre outras qualidades, Lorde Rama representa a retidão de caráter, explicou-me a própria Kanti Devi no dia da iniciação. Que foi bastante simples, diga-se: cada um deve que trazer apenas oferendas de flores e frutas, e depois ficar em silêncio meditando seu novo mantra pessoal. Daquele dia em diante, meu nome espiritual seria Dharma.


Já faz um ano, mas a calma voz de Kanti – me passando um pouco de seu enorme conhecimento, num espanhol uruguaio – não me sai da cabeça, nem do coração. Realmente essa experiência foi especial. OM Namah Shivaya!
Minha mãe Iracema tornou-se Durga Devi, em referência à deusa Durga, encarnação da energia feminina e criativa


Imersão em uma religião: Templo Hare Krishna de Curitiba
Saio de casa num sábado chuvoso. Passo pelo Largo da Ordem. Ao avistar a antiga casa amarela de dois andares na Rua Duque de Caxias, sei que cheguei ao meu destino: o Templo Hare Krishna de Curitiba.

Sou recebido por um integrante do grupo, que logo faz eu me sentir bem à vontade, mesmo sendo a primeira vez que visito o local. Aberto a visitações – até mesmo por ter um restaurante funcionando no primeiro piso – o templo é bastante simples. Sua riqueza, porém, não é material.

Subo descalço até o segundo andar. Hábito oriental, os sapatos devem ficar sempre do lado de fora. Logo vejo um altar com duas imagens de Krishna, e outras pequenas imagens e quadros, que ocupam o centro do templo. 


As paredes alaranjadas são emolduradas por quadros retratando Krishna em três fases de sua vida: quando criança, no colo da mãe (as semelhanças com o Menino Jesus e a Virgem Maria são enormes); adolescente (também chamado de Govinda), ao lado de sua consorte Srimati Radharani; e adulto, auxiliando o guerreiro Arjuna na célebre batalha retratada no Bhagavad-Gita, a “bíblia” do Hinduísmo.
O básico conhecimento que tenho sobre a cultura hindu, devido à prática de Yoga, me ajudaram a compreender bastante o que os dois membros do Hare Krishna me explicaram naquela tarde. Basicamente, o movimento não pode ser considerado um culto, já que está inserido na mais antiga tradição religiosa de que se tem conhecimento. Explico.


Monoteísta, com milhões de seguidores na Índia e no Ocidente, o movimento Hare Krishna cultiva a devoção a Vishnu (do qual Krishna foi uma das encarnações na Terra), e é o tronco principal do complexo filosófico chamado de Hinduísmo. O questionamento maior de todo ocidental, ao se deparar com a cultura indiana, é quase sempre o mesmo: eles acreditam no mesmo Deus bíblico? A resposta é afirmativa. 

A filosofia básica de todas as religiões é que existe somente um Senhor Supremo, e que todos os seres vivos são Seus filhos e servos amorosos. “Krishna é o mesmo Deus adorado na Bíblia, o Alá dos islâmicos e o Jeová judaico. Deus tem ilimitados nomes e Krishna é um deles”, afirmam eles.


Partindo desse princípio, que une a fé dos Hare Krishna com a das religiões monoteístas tradicionais, percebo que o que os diferencia de nós, ocidentais, são simplesmente suas práticas cotidianas. As orações e os mantras cantados são em sânscrito, a alimentação é vegetariana, as roupas e festividades são tipicamente indianas, e assim em diante.

“Krishna é o mesmo Deus adorado na Bíblia, o Alá dos islâmicos e o Jeová judaico. Deus tem ilimitados nomes e Krishna é um deles”

Krishna guiando o guerreiro Arjuna em passagem da Baghavad-Gita
Após a conversa, eles me entregam um livro que fala sobre a introdução à filosofia védica (que é bastante vasta e não tem como ser resumida em poucas linhas). Sento para folhear, e não vejo o tempo passar. Acho que fiquei quase uma hora dentro do templo, que para mim foram uns 15 minutos.

Ao me despedir, calço meu tênis e recebo o convite de voltar sempre que quiser, para provar a culinária de seu restaurante – tem até feijoada vegetariana todo sábado – e participar do Festival de Domingo (com mantras e palestras) que é totalmente aberto à comunidade externa. 


Saio na rua e sinto a garoa curitibana bater em meu rosto quando olho o templo por fora. Ao me afastar caminhando, tenho a certeza de que aquela foi a primeira de muitas visitas ao local...

PS: Para mais informações sobre o movimento Hare Krishna, acesse o site.

Nenhum comentário:

Postar um comentário