domingo, 4 de outubro de 2015

5 razões para assistir Os Maias, obra-prima da TV brasileira

Quando Os Maias foi ao ar, em 2001, tinha apenas dez anos e pouco ou quase nada me lembro da minissérie. Ao contrário das produções que a sucederam, como O Quinto dos Infernos, A Casa das Sete Mulheres e Um Só Coração... Mesmo assim, sempre ouvi falarem bem dessa adaptação televisiva do clássico de Eça de Queiroz, tida por muitos como sua obra-prima.
No mês passado, ganhei de presente o DVD de Os Maias e mergulhei de cabeça nesse universo trágico, romântico e intenso recriado com maestria pela autora Maria Adelaide Amaral - de longe, uma das melhores em atividade na Globo - e pelo diretor Luiz Fernando Carvalho - já falamos dele no post sobre O Rei do Gado - que dispensa apresentações. 

São quatro DVDs que compilam os cerca de 24 episódios da história principal de Os Maias. Na transmissão original, que precisava de escopo para 44 capítulos, tramas paralelas foram inseridas a partir de outro romance queirosiano, A Relíquia, em núcleo protagonizado pelo sempre ótimo Matheus Nachtergaele. Infelizmente, essa trama foi retirada do DVD. Houve a promessa de editá-la em um DVD a parte, que nunca se concretizou. Uma pena...
Bons tempos em que a Globo produzia minisséries desse porte, com qualidade técnica e artística de primeira e que duravam 44 capítulos. No cenário atual da teledramaturgia do "plim plim", uma empreitada assim seria praticamente impossível. Quem acompanha as produções televisivas nacionais bem sabe que o formato minissérie foi abandonado em detrimento das microsséries ou telefilmes, editados em formatos que duram de um ou dois dias a duas semanas, no máximo. Isso sem falar macrosséries (ou novelas das 23h), que ocupam a faixa de horário desde 2011. Mas isso rende outras discussões e o assunto aqui é Os Maias e as 5 razões para assistir a essa obra-prima!


1: Tragédia clássica no Portugal do século 19

Ambientada no final do século 19, em Portugal, Os Maias conta a história de duas gerações da fictícia família-título, uma das mais tradicionais da aristocracia lusitana. O patriarca é Dom Afonso da Maia, um liberal anticlerical fortemente influenciado pela cultura inglesa. Seu único filho Pedro, porém, fora criado pela mãe dentro da Igreja, o que para Dom Afonso deixara-o fraco e passional (não considero spoiler uma obra literária com mais de 100 anos, mas para quem acha que sim, fica o alerta do que vem a seguir).
Em resumo, Pedro da Maia se apaixona irremediavelmente por Maria Monforte, uma jovem sedutora de má fama, por ser filha de um negreiro (comerciante de escravos). Dom Afonso se opõe à união por pressentir que algo ruim vai se suceder, numa das características mais interessantes da obra: é justamente o velho e liberal ateu quem tem premonições e maus pressentimentos sobre o destino de sua família que, fatalmente, acabam por se realizar.
Volúvel e entediada com o casamento, Maria Monforte acaba se apaixonando por um jovem príncipe italiano e foge com ele, levando a filha mais velha que teve com Pedro, Maria Eduarda. O filho caçula, Carlos, é deixado para ser criado pelo pai. O que não acontece, já que Pedro se suicida, sem conseguir lidar com o abandono da amada.

O tempo passa, Carlos Eduardo da Maia se torna médico, tendo toda a formação à inglesa idealizada por seu avô Dom Afonso. Curiosamente, não é a formação, e sim o destino quem molda a vida dos homens da família Maia: entre idas e vindas, amantes e casos passageiros, Carlos conhece e se apaixona por Maria Eduarda, ignorando que são irmãos.
A tragédia se completa quando tudo vem à tona, inclusive com o retorno de Maria Monforte (Marília Pêra, incrível), tuberculosa à beira da morte, numa sequência feita para a minissérie, deixando com a personagem o peso de ser a portadora das más notícias. Mesmo sabendo do incesto, Carlos faz amor com Maria Eduarda uma última vez antes de se separarem de vez, no que é flagrado pelo avô Afonso, que morre de desgosto. Trágico e belo, com a assinatura magistral de Eça de Queiroz e a adaptação não menos digna de elogios de Amaral e Carvalho.


2: Produção de época impecável

Não é de hoje que a Globo é primorosa em suas produções de época. Em Os Maias isso não só está evidente, como tudo se mescla com extrema harmonia nas ambientações portuguesas, com destaque para o palácio abandonado que dá vida ao Ramalhete, casa da família Maia nos arredores de Lisboa, além das cenas em Sintra, Coimbra e na região do Douro. Um verdadeiro passeio por alguns dos mais belos e históricos lugares de Portugal!
A tourada que dá início ao primeiro ato, quando Pedro e Monforte se conhecem, também foi gravada em Lisboa, numa referência a um texto não publicado de Eça que se inicia com uma tourada portuguesa - explicado na entrevista com a autora nos extras, outro bônus do DVD.


3: Escolha do elenco
Quando até Fábio Assunção manda bem na atuação, é porque o elenco foi muito bem escolhido hahaha! Sem exageros, é um desfile memorável de atores, começando por Leonardo Vieira e Simone Spoladore (em sua estreia na TV), passando por Stênio Garcia, como o manso Monforte, Walmor Chagas, o icônico Dom Afonso, Eva Wilma, a fiel amiga Maria da Cunha, Osmar Prado, o poeta romântico Tomás de Alencar, e o sempre competente Selton Mello, como o anárquico e desbocado João da Ega - alter ego de Eça de Queiroz.
Ana Paula Arósio, loira com lentes castanhas, é de uma doçura ímpar como a triste e trágica Maria Eduarda, formando um belo casal com Carlos, um Fábio Assunção também de lentes castanhas - já que olhos negros são a marca dos Maias. A trama é tão envolvente que o espectador não só compra a história, como fica desolado por este grande amor que não pode se realizar. E para quem tem dúvida, sim, os irmãos transam em mais de uma ocasião, em cenas tórridas e apaixonadas. É realismo português, é Eça de Queiroz e é genial...


4: Fotografia

Quando a fotografia e a edição de arte são bem feitas numa obra como Os Maias, é impossível não perceber o flerte entre TV e cinema. São marcas da direção de Luiz Fernando Carvalho. Além dos belos cenários internos e externos, da poesia visual nas cenas em Sintra, no Castelo dos Mouros, entre Pedro e Monforte, temos a cor vermelha como mau agouro desde o começo.
E se isso é explicitado na primeira ocasião (Dom Afonso comenta que a sombrinha vermelha de Maria Monforte envolvendo seu filho, quando os vê passando numa charrete, não é bom sinal), no final fica a critério do espectador perceber, ou apenas sentir: o Ramalhete é tomado por sombras e luzes de velas, com fotografia avermelhada que não se vê em outros cenários da trama no ato final, todas mantendo a fotografia clara habitual. Palmas para Carvalho!


5: Trilha Sonora

Por fim, mas não menos importante, toda boa obra tem que ter uma trilha sonora marcante. Com composições do maestro John Neschling e belas canções do grupo celta português Madredeus, Os Maias eternizou a canção O Pastor, que sempre tocava nas cenas impactantes da trama (assista abaixo).
Maria Adelaide Amaral, sua linda! =)
O DVD de Os Maias custa em torno de R$ 80 e vale o investimento: uma obra que marcou não só nossa dramaturgia, como a de Portugal - a estreia, em 2001, foi simultânea nos dois países. Uma minissérie para ser apreciada da forma que merece: em maratona, sem intervalos, numa imersão completa por este universo queirosiano fascinante!



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