sábado, 24 de setembro de 2016

Justiça: Minissérie impecável do início ao fim

2016 está sendo um ano de gratas surpresas nas minisséries e produções noturnas do Plim Plim: começamos o ano com Ligações Perigosas, releitura do clássico francês do século 18, feita pela talentosa Manuela Dias - que assina agora o roteiro de Justiça, e passamos ainda pela ótima Liberdade, Liberdade, na faixa das 23h, contando a história da filha de Tiradentes.
Com o último episódio exibido nessa sexta (23), Justiça está na boca do público: quem não se emocionou com as quatro histórias de pessoas comuns do Recife, entrelaçadas em situações corriqueiras e problemas com a Lei?





O formato, aliás, é o melhor possível: no modelo de séries como Sessão de Terapia, da GNT, Justiça traz uma trama por dia da semana, reapresentando as cenas que unem dois ou mais núcleos a partir dos diferentes pontos de vista dos personagens em cena.
Abertura que muda a cada episódio: quantas histórias em cada uma dessas janelas?
Assim, acompanhamos o drama de Vicente (Jesuíta Barbosa) e Elisa (Débora Bloch) na segunda, a história de Fátima (Adriana Esteves) e sua família na terça, os dilemas das amigas Rose (Jéssica Ellen) e Débora (Luisa Arraes) na quinta e, por fim, a trama de Maurício (Cauã Reymond) na sexta-feira.


Estreante talentosa
Com dois sucessos no mesmo ano, Manuela Dias já está cotada para assinar novelas na Globo: depois dos fiascos e Gilberto Braga e Manoel Carlos em seus últimos intentos, dá para dizer que "tem vaga sobrando" para noveleiro na faixa das 21h... 
Para saber mais sobre a autora, que já tem 20 anos de Rede Globo, recomendo essa entrevista recente feita pela VejaMesmo com o roteiro pronto dos 20 episódios de Justiça, Manuela conta que fez alterações no decorrer da exibição da minissérie - num misto de obra aberta e fechada, quando há ou não interferências da recepção do público no enredo da trama. O final do casal Kellen (Leandra Leal) e Douglas (Enrique Diaz), por exemplo, foi alterado.


No comando, Villamarim

Outro destaque da minissérie é a batuta do diretor José Luiz Villamarim - responsável pelas elogiadas O Canto da Sereia (2013), Amores Roubados (2014) e O Rebu (2014). É graças à direção de Villamarim a forma como o público assiste à mesma cena por diferentes pontos de vistas, como na emblemática sequência do atropelamento da personagem de Marjorie Estiano no primeiro episódio, que conecta as quatro histórias contadas.

Maurício: eutanásia a pedido da esposa Beatriz, tetraplégica após ser atropelada
Assim como Manuela, Villamarim é um dos novos "queridinhos" da Globo e vai assinar O que nos une, título provisório para a próxima trama das 23h, em 2017.

Para encerrar a análise técnica e de bastidores, um salve para a primorosa trilha sonora, que mescla Hallelujah, de Rufus Wainwright,  MPB (Chico Buarque marca presença com Pedaço de Mim) com músicas regionais e consegue nos emocionar até com Quero Te Encontrar, de Claudinho & Buchecha, na cena do reencontro de Fátima e o filho Jesus, que havia se tornado trombadinha após a prisão da mãe e a prostituição da irmã.


Pessoas comuns, lei e (in)justiça

Ainda na entrevista à Veja, a autora conta que sua intenção com Justiça foi apresentar a história de pessoas comuns, que não reparamos no dia a dia, mas cujas ações e destinos estão relacionados com o ambiente que nos cerca.
Elisa e Vicente: como retomar a vida e conviver com o homem que matou sua filha?
Sobre os problemas com a lei, a trama além de bem-vinda é necessária: são pouquíssimas as produções que problematizam temas como crime passional, estupro, eutanásia, prostituição e justiça com as próprias mãos na TV brasileira.

Dos quatro crimes cometidos, que levaram à prisão por sete anos dos personagens principais de cada núcleo, dois tiveram motivações controversas e dois envolveram personagens inocentes (ou azaradas), como no caso de Rose, presa carregando as drogas da turma de amigos em uma praia, na noite em que acabara de completar 18 anos. Não fosse negra, teria escapado da revista, como a amiga branca Débora. Se ainda fosse "de menor", teria sido liberada pouco depois e conseguido entrar na universidade pública, em que havia sido aprovada para o curso de Jornalismo. 
Débora e Rose: racismo, estupro e vingança na história de quinta-feira
Já a dona de casa Fátima é a única presa injustamente, após matar o cachorro do vizinho policial Douglas num ato de desespero para salvar seu filho bebê, e ser pega pela polícia com drogas plantadas em sua casa, num ato de vingança armado por Kellen, mulher de Douglas.

Fátima e Jesus: a emoção do reencontro com o filho
Justiça e sua fórmula dinâmica de quatro episódios por semana, com pontos de vistas diferentes entrelaçados, que podem ser acompanhados separadamente, merece ser seguida daqui em diante. Já passou da hora da teledramaturgia se modernizar, em tempos de streaming e baixas audiências na TV aberta...

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