sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Cinema: Noticiabilidade e Valores Notícia em dois clássicos do Jornalismo

*Texto mais recente, de abril de 2014, produzido para a disciplina de Ética e Legislação no Jornalismo no curso de graduação na UFPR.

Ainda na onda do excelente Spotlight: Segredos Revelados, que está na disputa pelo Oscar 2016.



Critérios de Noticiabilidade e Valores Notícia: Discussão com base nos filmes A Montanha dos Sete Abutres e Todos os Homens do Presidente


A atuação ética do jornalista, na função de apurar e escrever notícias, é tema de dezenas de filmes, documentários e séries para o cinema e a TV. Talvez um dos mais icônicos, lançado em 1951, A Montanha dos Sete Abutres, de Billy Wilder, discute justamente essa temática, sob o ponto de vista de um jornalista (Chuck Tatum, interpretado por Kirk Douglas) que deixa de lado qualquer posicionamento moral em busca de uma boa história para vender como notícia.

Na trama, um homem (Leo Minosa, na pele de Richard Benedict) acaba soterrado em uma montanha, em busca de artefatos e tesouros indígenas. O local é conhecido pelos nativos como ‘Montanha dos Sete Abutres’, devido a uma suposta maldição sobre aqueles que profanassem os túmulos dos índios.

Ao passar pela pequena cidade, no Novo México, atrás de uma caçada de cascavéis, o repórter Tatum se depara com a história de Minosa, contada por seus familiares – a esposa Lorraine e os pais – e pelo xerife local que, assim como Tatum, não é conhecido pelo bom caráter.
Depois de ser demitido de onze jornais por razões diferentes, Tatum estava há um ano trabalhando em Albuquerque, no jornal de Jacob Boot (Porter Hall), sem que nenhuma grande notícia tivesse surgido. Com o soterramento de Minosa, ele vê a chance de sair do interior e voltar aos grandes jornais, de preferência o The New York Times.

As questões éticas se fazem presente no longa desde o início: sob o lema “diga a verdade”, bordado em um quadro na parede da redação, o jornal de Albuquerque em nada se parece com o tipo de posicionamento de Chuck Tatum. Como ele diz no final, o quadro inibia sua forma de fazer “histórias”.

Vale lembrar que o tipo de jornalismo de massa feito na época, até meados do século 20, não prezava tanto pela verdade dos fatos, e sim por aquilo que as pessoas gostariam de ler. “Notícia ruim vende mais rápido. Essa foi minha ‘faculdade de jornalismo’, quando vendia jornais antes de escrevê-los”, conta Tatum ao jovem Herbie Cook (Robert Arthur), fotógrafo recém-formado que o acompanhou na caçada de cascavéis que acabaria se tornando “furo” do ano.

O próprio fato de Cook ter se formado numa faculdade de jornalismo era suficiente para ser tratado por Tatum como um “inocente”, um novato que não sabia nada da profissão.

A analogia feita por Tatum sobre o valor notícia que a caçada de cascavéis se tornaria caso 50 cobras fossem soltas em uma cidade como Albuquerque, e mobilizasse os cidadãos e autoridades a caçá-las todas (“eu guardaria a última cascavel no meu escritório e deixaria aquilo render como notícia por mais de três dias, até revelar que Chuck Tatum encontrou a cascavel que faltava”), mostra exatamente o que Tatum fez com o caso de Leo Minosa. Ao invés de salvá-lo em um ou dois dias, com um método mais rápido, o repórter influenciou o xerife a utilizar uma perfuratriz e retirá-lo por cima da montanha, o que levou mais de cinco dias e fez o caso render nos jornais.

O circo formado na cidade, com centenas de pessoas curiosas que foram até lá ver de perto o destino de Leo, com direito a música composta para o desafortunado e até parque de diversões, e a noticiabilidade que se cria quando um único indivíduo corre risco de vida, ao invés de um grupo de pessoas, são outros pontos consideráveis do filme que, invariavelmente, tem um desfecho trágico tanto para Minosa quanto para Tatum.


Contraponto: Todos os Homens do Presidente
Lançado em 1976, apenas quatro anos depois do escândalo Watergate, que derrubou o presidente norte-americano Richard Nixon, Todos os Homens do Presidente, de Alan Pakula, aborda justamente o tratamento jornalístico oposto ao que é visto em A Montanha dos Sete Abutres.

O filme é uma adaptação do livro homônimo escrito por Bob Woodward e Carl Bernstein, jornalistas do Washington Post que desvendaram o caso de corrupção, espionagem e lavagem de dinheiro que envolvia o alto escalão da Casa Branca e a campanha de reeleição do presidente Nixon.

Ao contrário do manipulador e aproveitador Chuck Tatum, Woodward (Robert Redford) e Bernstein (Dustin Hoffman) investigaram, apuraram e entrevistaram os envolvidos e pessoas relacionadas ao escândalo para chegar à explicação dos fatos e apresentá-la ao público leitor do Post.

Em um longo processo, cheio de revezes e perigos, a dupla de jornalistas teve por diversas vezes sua matéria renegada pelos editores do jornal, que não viam noticiabilidade nas investigações, ainda iniciais, apenas no desenrolar que elas poderiam ter. Ainda mais por envolver “peixes grandes” de Washington. A ponto dos próprios repórteres admitirem a falta de “notícia” dos fatos e apurarem ainda mais para não incorrer em erros. “Existem dois mil repórteres nessa cidade e apenas cinco estão com o caso Watergate. Será que somos os únicos a ver algo nisso? Não sei, não acredito na história”, afirma em certo ponto um dos editores do Washington Post.
Somente quando as investigações levam ao assessor direto do presidente Nixon, cuja implicação no caso Watergate é confirmada por mais de uma fonte, é que a direção do Washington Post decide abraçar de vez a reportagem e manter a posição da dupla “Woodstein”, mesmo sob fogo cruzado.

Por fim, é preciso comentar a participação de uma fonte misteriosa, apelidada de Garganta Profunda, que foi decisivo nas informações – e confirmações do que estava sendo apurado por Woodward, na maioria das vezes – passadas aos repórteres. Revelado apenas em 2005, o informante era ninguém menos que o vice-diretor do FBI na década de 1970. Ou seja, o crédito à fonte, mesmo que sigilosa, foi correto da parte de Woodward, já que o escândalo se mostrou conhecido tanto pelo FBI quanto pela CIA e o Departamento de Justiça.

O filme termina na redação do Post, com uma televisão exibindo a posse de Nixon, reeleito presidente, em primeiro plano, enquanto Woodward e Bernstein seguem com as investigações sobre o Watergate em segundo plano. As máquinas de escrever, em ação, registram para o espectador as manchetes que viriam a seguir até 1974: todos os políticos, coordenadores de campanha e assessores de Nixon seriam condenados pelas ações no escândalo, até que finalmente o presidente renunciaria, desgastado pelo desenrolar dos fatos.

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