quinta-feira, 30 de julho de 2015

O fracasso de Babilônia e o futuro das novelas

Conhecido e venerado por sucessos que marcaram a nossa teledramaturgia - Dancin Days (1978), Anos Dourados (1986), Vale Tudo (1988) - Gilberto Braga tem vivido desde março um pesadelo chamado Babilônia. A atual novela das 21h, horário que tradicionalmente é o carro chefe da Rede Globo, já entrou para a história como uma das piores audiências da emissora. E sofrendo o fiasco diário de ser batida por I Love Paraisópolis que, verdade seja dita, não é lá uma Brastemp...
Gilberto Braga: pra que chorar se existe amor?
Mas engana-se quem pensa que este é o primeiro fracasso do autor. Talvez não tão retumbantes - já que se deram em épocas que mesmo as novelas de ibope baixo ainda tinham público - mas O Dono do Mundo (1991) e Força de um Desejo (1999) também amargam os piores lugares na teledramaturgia de Gilberto Braga.

O que deu errado? Cada caso tem suas características, mas pode-se dizer que o excesso de polêmicas e temas considerados tabus em Babilônia são algumas das razões de sua baixa audiência. Uma antagonista sem escrúpulos com sede de vingança é perfeitamente aceitável, assim como casais homossexuais secundários, tramas que envolvem corrupção e críticas a evangélicos conservadores. Até ai, tudo bem... 

Elenco de primeira, pena que não emplacou
Mas ver Glória Pires encarnando uma ninfomaníaca e assassina, a queridinha Sophie Charlotte como uma prostituta "que gosta da coisa", e as monstras sagradas Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg como um casal (e em destaque) foram demais para o "gosto" do telespectador. Chocou, não foi aprovado, e mudaram de canal.

O que se seguiu a isso, numa tentativa desesperada de salvar o ibope, foram alterações em cima do laço que desagradaram todos os envolvidos. Apesar de uma leve melhora, Babilônia ainda tem poucos espectadores. Pior a emenda do que o soneto...

O jeito para a "vênus platinada" vai ser investir em seu autor mais promissor dos últimos anos, o badalado João Emanuel Carneiro de Avenida Brasil, ao lado do ator destaque Alexandre Nero, cuja imagem de Comendador ainda está fresca na memória do público.
A Regra do Jogo: a volta do Comendador
Contudo, mesmo que A Regra do Jogo (próxima novela das 21h) seja um sucesso, é preciso aprender de uma vez por todas a lição: não dá para fazer novela em 2015 com a mentalidade do século passado. O público mudou - e a tendência é mudar ainda mais.


O que atrai o (novo) público brasileiro?

Nos "áureos tempos" em que Globo e Manchete se digladiavam pela audiência, nos anos 1980 e 90, o brasileiro não tinha internet. Poucos tinham telefone fixo e nem se sonhava com celular. O único entretenimento era a televisão e o "horário nobre" fazia as vezes de reunir a família diariamentena sala de estar. Mesmo uma novela ruim era assistida, já que não se tinha opção.

O mundo do entretenimento não só mudou, como evoluiu. A audiência absoluta caiu vertiginosamente: hoje 10 pontos ou menos são tornam uma emissora líder, dependendo da faixa de horário ou dia da semana. Os jovens assistem TV a cabo, Netflix, séries norte-americanas e europeias, navegam pela internet e pelos canais favoritos do Youtube ao invés de acompanhar religiosamente os seis capítulos semanais da novela das 21h, das 19h e das 18h (isso sem falar da Malhação, que já virou "karma" do plim-plim)
Nem o logo original foi poupado das mudanças em Babilônia
Em outras palavras, para fazer sucesso em 2015 é preciso inovar. Chamar atenção. Trabalhar com novas linguagens e imagens. Interagir com as redes sociais. Ser trending topic no Twitter. E por ai vai. Sete Vidas, a última novela das 18h, fez a lição de casa e terminou com dignidade seus pouco mais de 100 capítulos. Já deixou saudade.

Porque Verdades Secretas, a atual novela global das 23h, está melhor na fita? É mais curta tanto em duração, quanto em dias que vai ao ar (apenas quatro por semana). Se as novelas reduzissem sua duração e fossem mais chamativas, o quadro poderia se reverter. Remakes bem feitos também funcionam: quem não tem saudades da Gabriela de 2012?
Sete Vidas: exemplo a ser seguido
Outro aspecto fundamental: obras fechadas costumam ser redondas, vão ao ar 100% gravadas e não são passíveis de alteração em seu decorrer. Fica mais justo com o espectador, passando a mensagem de que "o que temos para oferecer é isso, se gostou, ótimo, senão, é o que tem pra hoje". Novelas no formato tradicional são obras abertas, "ao gosto do freguês", e às vezes mudam tanto para tentar agradar que perdem sua identidade. É o caso de Babilônia, que como produto artístico-cultural muito provavelmente será relegada ao esquecimento...

Concorrência que faz o dever de casa

Há que se considerar ainda outro aspecto relevante: a melhoria na qualidade das novelas da Record, que tem se convertido em ganho de audiência. Megaproduções e temáticas bíblicas na concorrência também tem atraído o público, tanto os cristãos quanto os que simplesmente se interessam em "viajar" para aquele cenário distante e exótico de tempo e espaço (Glória Perez curtiu isso).
Os Dez Mandamentos e novelas bíblicas: nova tendência
E o que dizer de programas de sucesso, como o Masterchef Brasil, que tem "roubado" a liderança para a Band nas noites de terça-feira? O reality culinário não tem dificuldades, já que Tapas e Beijos já deu o que tinha que dar (felizmente, em seu último ano) e não tem bumbum em cena todo dia para segurar o ibope de Verdades Secretas! hahaha

O fim das novelas?

Sempre considero exagero quando alguém prevê o fim das novelas. Telenovelas são marca da cultura brasileira há décadas, produtos de exportação para dezenas de países, e não vão acabar da noite para o dia. Vão, sim, é se adaptar aos novos gostos do espectador. Talvez a novela como a gente conhece hoje não exista mais daqui a 10 ou 15 anos. Mas ainda haverá teledramaturgia, seja ela em série, minissérie ou especiais.

Contudo, talvez seja o fim da carreira de autores que não se adaptarem às mudanças. Se não mudar seu modus operanti, Gilberto Braga pode dar adeus à faixa das 21h. Manoel Carlos também: quem não se lembra do recente fiasco que foi Em Família (2014)? Mas não pensem que estou agourando os novelistas, pelo contrário! Quem teve talento para emplacar uma Vale Tudo e uma Laços de Família (2000) na memória afetiva do povo brasileiro tem capacidade de fazer sucesso novamente. Mas tem que rebolar...

Em Família: fiasco homérico de Maneco na faixa das 21h
PS: Novelas-fenômeno como O Rei do Gado (1995), que fazem sucesso mesmo reprisadas 20 anos depois, merecem uma análise a parte. Não perca os próximos "capítulos" aqui no Diário de um Jornalista Nerd!

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