terça-feira, 5 de abril de 2016

Festival de Curitiba: Segunda semana (final)

E chega ao fim mais um Festival de Curitiba. Arrisco dizer que, dado o contexto atual, foi a melhor edição que se poderia ter - o que não é pouco, pelo contrário. O público de 180 mil pessoas se envolveu com o teatro de forma mais intensa, e até íntima.
Portátil - Crédito: Jorge Mariano
Começando com um recital de abertura impecável, com a diva Maria Bethania, passando pelo experimentalismo performático de Batucada, e pelas montagens de Shakespeare (uma cômica, outra trágica) que nunca perdem a contemporaneidade. Confira aqui as resenhas postadas semana passada.
O Beijo no Asfalto - Crédito: Humberto Araujo
A segunda semana começou na Ópera de Arame, com um clássico de Nelson Rodrigues adaptado brilhantemente em musical: O Beijo no Asfalto. Quem diria que o universo rodriguiano, com todas suas taras, críticas e realismos cairia tão bem num musical à la Broadway? Destaques para as atuações de Claudio Lins, como o protagonista Arandir, Gracindo Júnior, o sogro dúbio Aprígio, a estreante no papel Izabella Bicalho, como a esposa Selminha, e o curitibano Gabriel Stauffer, estreando no Festival na pele de Werneck.



Créditos: Humberto Araujo
A mesma Ópera recebeu depois um talentoso grupo que conquistou a internet e levou o improviso para o palco em Portátil: a galera do Porta dos Fundos. Gregorio Duvivier, Luis Loubianco, João Vicente de Castro e o colombiano Andres Giraldo usam e abusam da criatividade para recriar a vida de uma pessoa da plateia em pouco mais de uma hora de espetáculo. Na apresentação de quinta-feira, a escolhida foi uma arquiteta que sonhava casar e ter 5 filhos, cuja mãe era dona de uma peixaria e o pai, de um bar e loja de papeis. Quando criança, ela sentou no braço da avó enferma e quase o quebrou, sem entender uma piada feita pela mãe. E por ai vai... Boas risadas numa opção da Mostra que não deixa nada a desejar para o Risorama.


Créditos: Jorge Mariano
No Fringe, podemos conferir no Solar do Barão a mistura entre Brasil e Argentina com toques de Almodóvar em Hermanas son las tetas. Dirigida pelo argentino Juan Manuel Tellategui, o espetáculo conta a história de duas irmãs (Lauanda Varone e Liza Caetano) que foram famosas na infância, mas não souberam lidar com suas carreiras na vida adulta e agora são obrigadas a conviver. Uma se acha diva, a outra prefere a criação intelectual. A cereja do bolo são as performances no final de casa sessão, com espaço para artistas locais. Na sexta-feira, o convidado foi Stéfano Bello, intenso em um número musical que arrancou palmas e elogios da plateia.


Créditos: Annelize Tozetto
No último fim de semana, tivemos Morte Acidental de um Anarquista, um espetáculo crítico italiano magistralmente adaptado para o contexto brasileiro - o melhor da Mostra este ano, na minha humilde opinião. Tudo por que soube dialogar como poucos com o clima polarizado em que vivemos, de "Viva Sérgio Moro" de um lado e "Não Vai Ter Golpe" do outro. De juízes acima do bem e do mal, uma corrupção desenfreada por toda parte, inocentes servindo de bode expiatório de toda sorte de interesses escusos, e por ai vai. Dan Stulbach interpreta o louco protagonista e usa sua experiência de apresentador do CQC para lidar com as sugestões de temas pedidas para a plateia, saindo-se muito bem na tarefa de mediar o Fla-Flu político em plena "república de Curitiba". Palmas ainda para o ator e produtor Henrique Stroeter, responsável pela adaptação ao lado de Dan.


Créditos: Lina Sumizono
Por fim, Processo de Conserto do Desejo, com Matheus Nachtergaele, um artista sem igual declamando poesias de sua mãe, que suicidou-se quando ele era bebê. A forma encontrada pelo ator de expurgar sua relação com a genitora, compartilhando seus escritos e canções favoritas com o público, acompanhado de violão e violino tocados ao vivo, é tocante e bela. Para fechar com chave de ouro a Mostra e a 25ª edição do Festival.


Créditos: Annelize Tozetto
Festival de Curitiba é tudo isso e muito mais. Viva o teatro, e que venha a 26ª edição!

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