domingo, 10 de abril de 2016

Cinema: Para Minha Amada Morta

Não espere fórmulas prontas ou clichês em Para Minha Amada Morta, do diretor Aly Muritiba. Em tempos de comédias brasileiras que arrastam milhões aos cinemas, ou do já desgastado gênero policial que mescla violência-favela-dramas sociais, o longa de estreia do baiano radicado em Curitiba - conhecido e premiado por curtas como A Fábrica e O Pátio - se destaca justamente pelas sutilezas e sugestões do roteiro, também assinado por Muritiba.


O talentoso Fernando Alves Pinto (2 Coelhos, Nosso Lar) dá vida ao fotógrafo Fernando, um viúvo que ainda está lidando com a perda da esposa, e a criação do filho pequeno. Mas nada disso é apresentado de forma didática ou mastigada ao espectador. Em cenas tocantes, vemos Fernando abraçando os vestidos da esposa, colocando seus sapatos para tomar sol no jardim e assistindo fitas VHS com lembranças de vários períodos de sua vida.

Ao descobrir uma caixa com fitas escondidas pela mulher, Fernando descobre que ela teve um amante, gravou cenas do romance (algumas bem explícitas) e declara, para sua tristeza, que aquilo tinha sido "a melhor coisa que aconteceu na vida dela". Fotógrafo da Polícia Civil, ele não demora em descobrir a identidade do amante, Salvador (Lourinelson Vladmir, Curitiba Zero Grau), e passa a persegui-lo na periferia de Curitiba até ganhar sua confiança (se passando por um "irmão" de culto evangélico) e alugar uma edícula de sua casa.
Após deixar o filho aos cuidados da cunhada, Fernando mergulha de vez no que parece ser um plano de vingança. Tudo passa pela nossa cabeça, em planos, olhares e, sobretudo, silêncios significativos que nos são apresentados. Assim, quando Fernando leva Salvador para um passeio numa represa afastada, afirmando ser um local de desmanche de carros e desova de cadáveres, logo pensamos ser este o fim do amante, que já admitira a Fernando ter traído a esposa Raquel (Mayana Neiva, O Vendedor de Passados) com sua ex-advogada. Mas que ainda não faz ideia que se trata da esposa do estranho que colocou em sua casa.


Para Minha Amada Morta consegue mesclar drama e suspense até o fim. O desfecho pode até desapontar alguns, já que nada de fato "acontece": a sedução da filha adolescente de Salvador não vai adiante, nem a tentativa (ou melhor, sugestão) de um "sexo de vingança" entre Fernando e Raquel, muito menos a morte de Salvador num possível acerto de contas. O único a morrer é o cachorro da família, numa sequência tensa em que o revólver de Fernando é finalmente revelado, assim como sua real ameaça.

Repleto de sugestões religiosas, que vão além da fé evangélica da família de Salvador, o longa termina numa praia, em que Fernando e o filho correm para o mar, numa espécie de recomeço ou "novo batismo".


A ambientação em Curitiba merece todos os créditos por ser orgânica. Só reconhece a cidade quem já passou pelos arredores da Praça Tiradentes e do Terminal Guadalupe, ou sabe que o colégio em que estuda a filha de Salvador fica no bairro Campo Comprido. No mais, o espectador só percebe que se trata da capital paranaense ao reparar na inscrição da cidade nos ônibus usados por Fernando - nada de estação-tubo ou ligeirinho, ônibus de rua mesmo, que a gente chama de "alimentador". Depois do irregular Curitiba Zero Grau, é mais que bem-vinda a obra no histórico curitibano com a sétima arte...


Para Minha Amada Morta (2015)
Direção, roteiro e produção: Aly Muritiba
Elenco: Fernando Alves Pinto, Lourinelson Vladmir, Mayana Neiva.
Nota: 4/5

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